
Um tempo atrás li um artigo do polêmico Dioclécio Luz, no Observatório da Imprensa, com o título de "
Violência na Turma da Mônica". No texto, o jornalista afirma que os personagens de Mauricio de Sousa são mau exemplos para as crianças. Por que? Porque Mônica "resolve tudo na porrada", Cascão não toma banho, Magali tem "uma compulsão exagerada por alimento", Chico Bento "é uma visão elitista do campo" e o Cebolinha... bem, coitado, o Cebolinha nem foi lembrado. Basicamente, uma pessoa que lê Turma da Mônica se transforma em um adulto violento, sem higiene, com compulsões alimentares e preconceito com o campo. Isso se não calhar de falar errado.
Leio Turma da Mônica desde que comecei a ler. É companhia constante. Hoje, quase 20 anos depois da minha primeira leitura, gibi ainda é a primeira coisa que procuro quando vou para uma livraria. E hoje, o que sou? Sou uma jornalista que gosta muito de ler e escrever, que respeita a família e tem valores um tanto quanto tradicionais. Tomo banho todos os dias, não brigo por qualquer besteira, não como compulsivamente e ler histórias do Chico Bento só me faz pensar o quanto o campo é legal.
Resumir os personagens principais às suas características mais fortes é perder um universo recheado de conflitos e histórias interessantes. Mônica é uma menina de gênio forte, que perde a paciência fácil, mas acima de tudo gosta de defender aqueles que ama e espera ser aceita por seus amigos do jeito que é. Magali é uma menina que come bastante, mas está em fase de crescimento. Como toda criança, curte comer uma besteira - cachorro-quente, pipoca, chocolate. Mas qual é a sua comida preferida? Melancia. Quantas vezes não li histórias nas quais a Magali se deliciava com um... purê de abobrinha? Apesar de Cascão apresentar aversão à água, nunca foi afirmado 100% que ele nunca chegou perto de um líquido. Ao contrário, já acompanhamos historinhas - e até mesmo capas de gibi - nas quais Cascão aparecia lavando as mãos. Como muita criança, o personagem apresenta aquele medo - que ninguém entende- de tomar banho.
Dentro desse contexto, vemos os personagens convivendo com suas características e mostrando que, acima de tudo, mantém a amizade e respeitam suas diferenças. As crianças se provocam, mas se defendem. Lembro de ouvir muito quando era criança de que, se uma criança provoca a outra, é porque gosta dela. Na situação menino-menina. É uma situação constante no universo Cebolinha-Mônica. Nas histórias que mostram os personagens mais velhos, os dois sempre mantém um relacionamento. Ironia?
Mauricio de Sousa criou os personagens inspirado em amigos de infância e em seus filhos. Pegou as suas características mais marcantes e inundou em um universo infantil, que a cada ano se atualiza e se relaciona com situações vividas pelas crianças da época. Isso, obviamente, com a magia das Hqs, que permitem situações que, no mundo "real", talvez não fossem tão normais. Mas com base em que se define o que é real, aceitável ou correto?
Querer fazer um artigo baseado em características usuais de personagens de histórias em quadrinhos, sem fazer uma pesquisa mais profunda, é empobrecer demais um texto jornalístico. Muito me admira um jornalista, com tamanha experiência, não se dar ao trabalho de sair do senso comum e analisar de verdade o rico universo criado por Mauricio de Sousa. Além dos já conhecidos personagens principais, temos outros com os mais diferentes jeitos, tudo para que os leitores possam se identificar. Temos o loiro, o cientista, o negro, o japonês, o cadeirante, a deficiente visual, o deficiente auditivo, o filho de pais separados, o viciado em internet, o viciado em TV. Personagens diferentes que, acima de tudo, se respeitam e mostram para seus leitores que é possível conviver em paz com pessoas que não são iguais a você.

Apesar da era do politicamente correto, todo esse rico universo criado por Mauricio de Sousa se traduz em histórias atuais, com doses de ironia e sarcasmo, que conseguem, além de passar a mensagem principal, rir dos próprios clichês que as historinhas criam. Os estúdios Mauricio de Sousa contam com roteiristas sagazes o suficiente que brincam com o universo infantil e inserem piadas que agradam adultos. Além disso, as publicações contam com uma gama de edições voltadas aos mais velhos, como a Turma da Mônica Jovem e a Revista da Tina.
Querer acreditar que uma simples leitura de gibi pode criar monstros é o mesmo que dar a culpa aos video games pela violência e ao Pac Man pelas raves. É demais pensar que a educação dada pelos pais vem em primeiro lugar? E é demais pensar que, ao ler uma história, a pessoa não pode pegar o que de melhor tem nela? Não pode, por exemplo, pegar o recado dado pelo personagem Anjinho, quando diz ao Cascão que é importante limpar seu quarto? Quando diz a Mônica que é importante perdoar os amiguinhos? Ou ao Cebolinha que não se deve provocar os outros? Somos perfeitos? Sem defeitos? Qual a graça em ler histórias com personagens completamente irreais, até mesmo dentro da magia do faz-de-conta?
Apesar do reconhecimento, acredito que o Brasil ainda não dê o devido valor ao gênio que temos. Enaltecemos escritores internacionais, desenhistas, mas esquecemos que temos um produto brasileiro rico o suficiente para brigar com os gringos. E não digo brigar a base de coelhadas, mas brigar na qualidade editorial e gráfica. Não reconhecer isso é querer se internacionalizar demais. Não reconhecer o trabalho social exercido pela Turma da Mônica, sua importância, as revistas temáticas, educativas, o apoio que a leitura de gibis dá ao aprendizado de milhares de crianças, é não valorizar um trabalho nacional magnífico.

Palmas para Mauricio de Sousa, que dentro de uma sociedade retrógrada, falsamente moralista e que se julga politicamente correta, consegue manter viva uma turminha cheia de defeitos, mas que mora no imaginário de muitos brasileiros que não conseguem imaginar sua infância sem essas companhias. Palmas para os roteiristas que conseguem reciclar suas ideias e criarem cada vez situações mais interessantes. Palmas para os brasileiros que conseguem reconhecer o gênio que temos em nosso país. Eles tem Walt Disney? Grande coisa. Nós temos Mauricio de Sousa.
